Abstract
ESPAÑA Y PORTUGAL (título original legendado). El ministro de Educación, Señor Ibañez Martín, visita en Lisboa los centros docentes y el Instituto Anticanceroso. En Cintra y en el Estadio Olimpico. En Belen com el Presidente General Carmona. Despedida Lusitana. La llegada a Madrid.
Imagen:
España y Portugal : mapas Paluzíe editados por Imprenta Elzeviriana y Librería Camí, S.A.
Institut Cartogràfic i Geològic de Catalunya : http://cartotecadigital.icgc.cat
NO-Do. NOT N 306 B. España y Portugal
Fecha: 15 nov 1948
Duración; c.3 min (7:03-10:05)
Nota: Edición sin audio: el audio original está deteriorado o se ha perdido.
Enlace: http://www.rtve.es/filmoteca/no-do/not-306/1487576/
Arqueologia do documento: No-Do lusitano?
O Noticiário y Documentales Cinematograficos n.º 306 B (ano VI), em depósito na Filmoteca Española (Madrid) apresenta uma das raras notícias filmadas da época sobre as relações políticas entre Portugal e Espanha. Trata-se de um número que, tal como se indica nos créditos iniciais (00:24 min.) inclui reportagens da agência “No-Do, sus corresponsales y Universal News”. De facto, uma parte importante deste documento é composto por notícias narradas em inglês, com pronúncia americana e sem legendas (01:10-03:50 min.).
A hipótese de a expressão “sus corresponsales” indiciar a presença de imagens portuguesas não pode ser comprovada diante da documentação disponível. Nesse caso, seriam com toda a probabilidade oriundas do Jornal Português: Revista Mensal de Atualidades (1938-1951)[1], o congénere lusitano dos No-Do, da responsabilidade da Sociedade Portuguesa de Actualidades Cinematográficas, Limitada, também conhecida pela sua sigla, SPAC. Com efeito, esta entidade elabora em 1951 um detalhado relatório onde elenca todos os “Documentos enviados para o estrangeiro”, com especial destaque para os intercâmbios realizados desde 1944 ao abrigo do “acordo, por recomendação do SPN [Secretariado de Propaganda Nacional, 1933-1945] com “o No-Do, de Madrid”, e que era aliás, “bastante vantajoso para o No-Do, visto essa entidade poder negociar para todo o mundo, exceto Portugal e Colónias, os assuntos enviados pela SPAC” (cit. Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, 2015, p. 41).
O relatório assinado em maio de 1951 pelo gerente, Francisco Correia de Matos, que conhecemos da produção de muitos outros filmes do Estado Novo, pode ser consultado na edição fac-similada patente no livreto bilingue que acompanha a edição DVD do Jornal Português. Nele se patenteia de modo inequívoco a rotura entre a SPAC e a No-Do. Vale a pena reproduzir os parágrafos onde se explicita a razão da contenda:
Em 17 de março de 1948, com bastante antecedência sobre a data em que se realizaria em Madrid o desafio de ‘foot-ball’ Portugal-Espanha, enviou a SPAC a NO-DO um telegrama perguntando se poderia contar com uma cópia ‘duplicating’ daquela reportagem, em reciprocidade com o que a SPAC havia feito no desafio do ano anterior, realizado em Lisboa, e como nessa altura ficara estabelecido.
Foi com bastante surpresa que a SPAC recebeu de NO-DO, de Madrid, a resposta telegráfica lacónica, informando que lamentava não poder fornecer essa cópia, por já haver tomado compromisso com a DOPERFILME, de Lisboa. Assim, No-Do, de Madrid, faltou ao acordo estabelecido, e à promessa verbal do seu próprio diretor Sr. Soriano, feita no escritório da SPAC, por ocasião do desafio do ano anterior realizado em Lisboa. Depois da instalação desta organização espanhola em Lisboa, por acordo com a Doperfilme, tornou-se ainda mais difícil, evidentemente, a expansão do Jornal Português, visto a edição do jornal da Doper ser semanal (cit. Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, 2015, p. 42-43).
O acordo terminou com o gerente da SPAC a ter de lidar com a concorrência da própria No-Do, sua antiga parceira[2], embora as imagens possam de facto ter sido captadas a partir da Doperfilmes. Falta-nos, todavia, a prova cabal, uma vez que a caixa com o número 80, que corresponderia à data de novembro da edição mensal do Jornal Português não contém os materiais fílmicos. Observar uma versão portuguesa e compará-la (imagens e montagem, texto e locução) seria fundamental para compreender bem os fenómenos de relação política e cultural que se (re)começa neste ano de 1948.
Diante de ambas as impossibilidades, a de escutar a locução no original No-Do e a de visionar as notícias captadas e escolhidas para apresentar no mês de novembro de 1948, resta-nos contextualizar, identificar e interpretar as imagens disponíveis.
Contexto da visita a Portugal
Na historiografia portuguesa, a visita de José Ibañez Martín (1896-1969), o mais longevo Ministro de Educación Nacional (1939-1951), em meados de novembro de 1948, tem passado relativamente despercebida, embora ela venha na sequência da prorrogação do Tratado de Amizade e Não Agressão, em agosto de 1948. O Pacto Ibérico (para os portugueses, Peninsular) marca o fim de uma disputa de fronteiras e foi originalmente celebrado entre Portugal e Espanha em março de 1939 (Queirós, 2009, pp. 140-143), ainda a Guerra Civil Espanhola não estava terminada em todas as frentes e já se avizinhava a contenda mundial que a partir de setembro desse ano atingiria o globo.
Até 1949, Espanha encontrava-se isolada e a aproximação a Portugal, com a visita do Generalíssimo Franco entre 22 e 27 de outubro, foi uma das vias de restituição no plano internacional. A vinda a Portugal vinha sendo preparada nos bastidores pelo menos desde meados de 1948. Chegou a estar prevista para ocorrer logo após a ratificação do Tratado, que aconteceu em setembro, e teve mesmo a data de 15 de outubro (Vicente, 1994, pp. 32-ss). Certamente que a vinda do Ministro não poderia operar como substituição, mas não deixa de ser um sinal positivo destas negociações em curso.
Da parte de Portugal, a entrevista com Ibañez foi protagonizada pelo Presidente da República, Marechar Óscar Carmona (1869-1951), o qual aliás aparece somente no final da fita. Cerca de um mês depois, o conselho de ministros reúne para escolher o presidente que estava em funções desde 1926 como candidato da União Nacional, e reeleito mais uma vez em fevereiro seguinte. A visita espanhola ocorre assim num clima que se pretende manifestar como pacífico e de continuidade. Este é também o ambiente que está retratado nas imagens.
Visita de Ibañez a Lisboa no No-Do
No que respeita ao documentário e ao que pretendem transmitir em termos de educação, propaganda e ideologia, importa seguir a sua rota para compreender o decurso da narrativa. Os temas permitem fazer divisórias: educação, saúde, património, desporto e política. Temáticas que operam, portanto, dentro da gramática do documentário de Estado e culminam no seu sentido mais profundo, que seria o da legitimidade política.
Educação
O capítulo “España y Portugal” abre com um separador assim legendado, assente sob uma imagem de uma escola primária do Plano dos Centenários, um projeto de construção estatal, em que os elementos arquitetónicos eram suficientemente plásticos para poderem ser adaptados localmente, sem que se perdessem as características de conjunto (Féteira, 2013). Embora não esteja identificada, a imagem permite que o espetador, sendo português, pudesse fazer este reconhecimento. A educação é percorrida a partir do seu sexo mais fraco, o feminino[3], mostrando-se classes de ensino primário e liceal sem que haja uma demarcação (embora se trate, certamente de visitas a diferentes instituições). O capítulo educativo finda-se com a saída de Ibañez pela porta principal do emblemático Liceu Feminino Maria Amália Vaz de Carvalho.
Saúde
Seguidamente, encontramos o Ministro espanhol em visita ao Instituto Oncológico, previsto desde 1923 e instalado, de acordo com as possibilidades, em São Domingos de Benfica, um bairro relativamente periférico da cidade. Acabara de ser inaugurado, em maio de 1948 o seu bloco hospitalar (Bandeira & Figueiredo, 1998-2007). O ministro observa assim a arquitetura moderna do edifício e o apetrechamento técnico e material do interior, onde prima a brancura e o asseio. Não são apresentados doentes, mas apenas camas vazias.
Património
Duas primeiras panorâmicas apresentam a vila de Sintra: uma com vista para o torreão neo-manuelino dos Paços do Concelho (obra iniciada em 1906), símbolo do poder autárquico de origens medievais, seguido da encosta onde se situa o Paço Real, hoje Palácio Nacional de Sintra, com origens moçárabes e implantação quinhentista. As suas gigantescas chaminés são o ex-libris de Sintra. O edifício real foi usado até ao final da monarquia, em 1910, sobretudo durante o verão, e nele se visitam, entre outros aspetos, os quartos em que foi ‘preso’ o rei D. Afonso VI (1643-1683, deposto pelo irmão) e aquele em que dormiu D. Sebastião (1554-1578), com a sua mobília original, quando cogitava sobre Alcácer-Quibir (1578), a batalha que arrastou Portugal para a perda de independência (1580-1640).
Nada disto é visto na película. Após uma imagem da fachada, em que se percebe a antiguidade e alguma deterioração do Paço Real, observa-se já o final, em que a comitiva, aqui com várias senhoras, vai descendo as escadarias em direção ao carro que aguarda. Embora só se veja um veículo, o automóvel seria o elemento fundamental de ligação entre estes espaços da Grande Lisboa, numa época em que Portugal começava a ser ‘transitável’, isto é, dotada de uma rede de estradas.
Desporto
Tal como no centro hospitalar, também o complexo desportivo do Estádio Nacional do Jamor, no concelho de Oeiras, grande área de Lisboa, se encontra vazio. Podem contemplar-se as linhas arquitetónicas de Miguel Jacobetty Rosa (1901-1970) inspiradas nas realizações alemãs. O campo de futebol rodeia-se de campos bucólicos e só as casacas compridas da legação espanhola castigadas pelo vento e os pequenos vultos negros dos seus anfitriões irrompem como que fora do seu cenário habitual, num espaço grandioso, de linhas limpas.
Política
Todo o roteiro parece ter sido um passeio agradável antes de se chegar exatamente ao ponto auge, aquele em que o Palácio de Belém, admirado nas suas fachadas e encantadores recantos de jardim, dá a conhecer o seu interior, onde finalmente a representação espanhola e o governo português se abraçam, nas pessoas de Óscar Carmona e de Ibañez Martín, respetivamente o Presidente da República e o Ministro de Educación Nacional. Não se reconhece, na comitiva, o seu congénere, o Ministro da Educação Nacional Pires de Lima, mas há lugar uma breve cerimónia que sugere a promessa de amizade entre os dois países, e seus representantes. O momento do regresso não é descurado (como veremos mais tarde que não costuma ser) e vemos o regresso de Ibañez e sua esposa, pelos Transportes Aéreos Portugueses. A fita termina com a recepção, em braços, de Ibañez à saída do avião em Madrid.
Ana Luísa Paz (Instituto de Educação, Universidade de Lisboa)
Referências:
Bandeira, Filomena & Figueiredo, Rute (1998-2007). Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil Martins. Retrieved from: http://www.monumentos.pt/site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=7764
Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema (2015). Jornal Português: Revista Mensal de Atualidades, 1938-1951. Lisboa: Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema.
Cunha, Paulo Manuel Ferreira da (2014). O Novo Cinema Português. Políticas públicas e modos de produção (1949-1980). Tese de doutoramento em Estudos Contemporâneos. Instituto de Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal. Retrieved from: https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/27043
Féteira, João (2013). O Plano dos centenários – As escolas primárias (1941-1956). Dissertação de Mestrado em História da Arte Contemporânea. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal.
Queirós, António José (2009). As relações luso-espanholas: Da Primeira República à União Europeia (1910-1997). População e Sociedade, 17, 131-153.
Piçarra, Maria do Carmo (2009). Portugal olhado pelo cinema como centro imaginário de um Império: Campo /Contracampo. Anuário Internacional de Comunicação Lusófona. Retrieved from: http://www.lasics.uminho.pt/ojs/index.php/anuario/article/view/762
Vicente, António Pedro (1994). Franco em Portugal: O seu doutoramento Honoris Causa na Universidade de Coimbra – 1949. Revista de História das Ideias, 16, 19-71. Retrieved from: https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/41974/1/Franco_em_Portugal.pdf
[1] substituído entre 1953-1970 pelas Imagens de Portugal.
[2] O Jornal Português ainda resistiu até 1951. Em 1953, a SPAC lançava Imagens de Português, que procurava trazer algumas inovações ao formato do noticiário que o Estado tinha até difundido. Com o Secretariado Nacional de Informação (SNI, fundação em 1963 a partir do SPN), esta incumbência passa a estar a cargo da Doperfilmes (empresa fundada em 1947, com Perdigão Queiroga e Ribeiro Belga entre os seus fundadores) (Piçarra, 92; Cunha, 87-89).
[3] Em 1940, o Estado Novo debatia-se com uma alfabetização de maiores de 10 anos de idade que se situava na módica ordem dos 57% (homens) e 40% (mulheres). As diversas medidas de urgência tomadas durante esta década e a seguinte levaram a que estas percentagens aumentassem logo no censo de 1950, revelando-se uma população acima dos 10 anos cada vez mais alfabetizada, na ordem dos 67% (masculina) e dos 51% (feminina). As próprias categorias estatísticas também foram sendo modificadas de modo a realçar este progresso, mas os resultados rápidos desta década e ainda da seguinte foram inequívocos (Candeias, 2007, pp. 163-178)
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